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Imaginem: depois da oração da hora média, ou à tardinha, depois das vésperas, ao som da sineta os monges colocam cogulas e mantos no átrio ao lado do lavabo. Em absoluto silêncio, eles se organizaram em ordem atrás do abade, para entrar no refeitório para o almoço ou jantar.

O texto é de Giustino Farnedi, abade da Ordem de São Bento, publicado por L’Osservatore Romano, 11-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini

Em pé em frente à mesa eles rezam juntos; depois cada um se acomoda em seu lugar e desdobram os guardanapos. O silêncio reina. Com um toque da sineta, o abade dá o sinal: um monge começa a servir os alimentos cuidadosamente preparados na cozinha; o encarregado da semana lê uma passagem da Bíblia e outros textos edificantes em voz alta, enquanto todos começam a comer. Essa cerimônia de acesso ao refeitório e à refeição já se repete há séculos nas grandes abadias beneditinas, assim como nos pequenos mosteiros, segundo as normas estabelecidas por São Bento em seu Regula. Composta depois de 529 para a nascente comunidade monástica de Monte Cassino, a Regra contém as normas que governam todos os aspectos da vida espiritual e material do monge e de toda a comunidade para chegar à união perfeita com Deus. Na Regra, composta por setenta e três capítulos precedidos de um prólogo, São Bento define os valores essenciais da vida monástica: o código litúrgico, a discrição e a moderação, o papel da comunidade e do abade, a importância do trabalho, a compaixão e a compreensão pelas fraquezas humanas, o sentido de ordem e da disciplina, a harmonia entre lei e liberdade, entre indivíduo e comunidade.

Pelo equilíbrio que caracteriza os preceitos de São Bento, a sua Regra teve um impacto considerável em nossa história e em nossa cultura, como podemos ver ainda hoje. Os beneditinos foram, de fato, os artífices das grandes obras de melhoria e de urbanização que ao longo do tempo moldaram de maneira característica a nossa paisagem; em suas bibliotecas, conservaram as grandes obras da cultura clássica e garantiram sua transmissão; enriqueceram suas igrejas e monastérios com obras de arte que ainda hoje admiramos como parte essencial de nosso patrimônio cultural.

Os capítulos centrais da Regra, de 38 a 41, são dedicados à alimentação dos monges e às normas alimentares que devem ser escrupulosamente seguidas por toda a comunidade: a leitura no refeitório e o silêncio à mesa, a medida da comida e da bebida, os horários das refeições, os dias de jejum e abstinência. Esse aspecto da vida monástica é ilustrado no recente volume de Nadia Togni, Monaci a tavola. La Regola di san Benedetto e le consuetudini alimentari. [Monges à mesa. A Regra de São Bento e os hábitos alimentares, em tradução livre] (Todi, Tau editrice, 2018, p. 234, euro 9). Apresenta-se como um volume de leitura ágil e fluente, que nos introduz ao conhecimento dos preceitos alimentares definidos por São Bento e desde então adotados pelos monges até os dias atuais, com os necessários ajustes para adaptá-los progressivamente às exigências do homem e da sociedade ocidental. Nascida em Perugia e atualmente professora na Faculdade de Teologia da Universidade de Genebra, Nadia Togni tem uma longa associação com o mundo monástico; por seu papel como conselheira do centro histórico beneditino italiano, conhece bem a abadia de San Pietro em Perugia, mas também Santa Maria del Monte em Cesena, Santa Giustina em Pádua, Santa Maria de Rosano em Florença, San Pietro de Montefiascone. Assim pôde reunir várias experiências monásticas e contatar algumas comunidades que abriram a ela as portas da clausura. Na obra, a narração é intercalada com trechos de um longo diálogo entre Nadia Togni e quem escreve; a autora assim conseguiu reevocar personagens ilustres e narrar episódios relacionados à dieta monástica em alguns dos mais famosos e antigos mosteiros italianos. Nossa conversa se realiza no antigo e prestigioso arquivo histórico da abadia de San Pietro em Perugia, um lugar onde passado e presente se encontram, cercados pelas antigas estantes onde são conservados diplomas de papas e imperadores, decretos de bispos e abades, documentos relativo à economia e à organização administrativa do mosteiro, mas também registros e documentos que nos falam sobre a vida cotidiana dos monges e, portanto, também sobre sua alimentação.

Desde o início, no interior do mosteiro, o ato de se alimentar desenrola-se de acordo com gestos e comportamentos bem definidos, repetidos segundo uma ordem pré-estabelecida e que, por isso, constituem um verdadeiro ritual. O acesso à mesa insere-se assim naquele movimento contínuo e circular, próprio da vida monástica, que o cardeal Ildefonso Schuster (1880-1954), monge e abade de São Paulo Fora dos Muros e depois arcebispo de Milão, define como “processional”: do dormitório ao coro da igreja, dali para o salão do capítulo e depois para o refeitório sive prandium sive coena, ou seja, “para o almoço ou o jantar”. É um movimento comunitário, que envolve o abade e todos os monges, até o último dos irmãos, de acordo com a sucessão das horas do dia. Na vida monástica, a refeição é sempre uma ação comunitária que faz parte da experiência contemplativa do monge. A ritualidade segundo a qual se realiza, progressivamente fixada ao longo dos séculos, a torna um verdadeiro ato litúrgico, que recorda a aproximação do fiel à mesa eucarística. No refeitório, após a oração inicial, a distribuição dos alimentos acontece ao sinal do abade; no mesmo momento, o lector hebdomadarius começa a leitura em voz alta, enquanto os monges ouvem no mais absoluto silêncio. À mesa são lidos alguns versículos da Bíblia, seguidos de passagens de obras espirituais, históricas e edificantes, de modo que, enquanto o corpo é alimentado, o espírito também pode ser nutrido. Graças à leitura e à escuta cotidianas, eu mesmo pude aprender sobre a vida dos santos e as obras monumentais da história da Igreja, das quais era possível ler cerca de dois volumes por ano.

Reservado para um dos momentos privilegiados da vida comunitária, o refeitório é considerado um espaço sagrado dentro do mosteiro, igual à igreja, ao oratório e à sala capitular. Por essa razão, nos mosteiros monumentais é frequentemente uma verdadeira obra de arte arquitetônica, como na abadia de Monte Cassino, ou na abadia cisterciense de Casamari, ou em Praglia onde, entre os muitos lemas esculpidos nos assentos de madeira, também pode ser lido Sero venientibus ossa, ou seja, “Para os retardatários, só os ossos”, ou Ne quid nimis, ou seja, “Apenas o necessário”. A justa medida e a discrição são o princípio ao qual o monge deve constantemente se inspirar durante a alimentação, como em todos os outros aspectos da vida monástica. Se, de fato, o alimento é essencial para a própria sobrevivência do homem, o ato de se alimentar não deve causar excessos e comportamento desregrados, que comprometem tanto o equilíbrio físico quanto espiritual do monge, dificultando sua aspiração de se elevar além da materialidade das coisas.

Na Regra, a discrição é indicada com o termo de mensura que, em suas várias declinações, é usado quinze vezes e no capítulo XLVIII. São Bento recomenda: Omnia tamen mensurate fiant, que é “tudo se faça comedidamente”. E isso não apenas à mesa, mas em cada ato individual e comunitário da vida monástica. Na organização da comunidade, a justa medida é, de fato, o critério que comanda a distribuição dos tempos de oração durante o dia e ao longo da semana, a alternância de trabalho e do descanso, do estudo e do lazer. Animado por um grande espírito prático, São Bento não deixa de prescrever também as regras práticas da organização da refeição, fornecendo indicações sobre os tipos de alimentos adequados ao monge e, sobretudo, sobre a quantidade de pratos e bebidas. Recomenda, por exemplo, comer uma vez por dia no inverno e duas vezes no verão, quando o calor e os trabalhos duros do campo exigem maior esforço físico; prescreve limitar o uso da carne, reservada especialmente para os doentes; permite consumir até uma libra de pão por dia – cerca de 700 gramas – distribuindo-o entre o almoço e o jantar. A dieta do monge era completada pela pulmentaria cocta, uma espécie de sopa rústica de trigo, cevada, espelta ou pão acompanhados de carne, peixe, queijo ou legumes: um prato completo com carboidratos, proteínas e fibras.
Para a bebida, São Bento exorta o monge a moderar o uso do vinho, desde sempre alimento característico da dieta mediterrânea. Apesar de ser um revigorante cujo uso pode ajudar a se recompor da fadiga e do calor, o vinho pode facilmente levar à embriaguez; por esta razão, São Bento sugere uma quantidade diária razoável que ele estima em uma emina, ou seja, cerca de um quarto de litro.

Monaci a tavola investiga a grande contribuição que o monasticismo beneditino ofereceu no âmbito alimentar à cultura ocidental, influenciando ao longo dos séculos as tradições e hábitos que ainda seguimos à mesa. Alguns dos produtos que são o símbolo da tradição gastronômica italiana foram originalmente elaborados em cozinhas monásticas. Por exemplo, o ancestral do queijo parmesão é mencionado pela primeira vez em um documento datado de 1159 da abadia de Santa Maria de Marola, na província de Reggio Emilia. De fato, foram os beneditinos que introduziram no Vale do Pó e em larga escala a criação de ovinos e bovinos, o que deu origem à florescente indústria de laticínios que ainda hoje constitui uma das atividades produtivas mais importantes dessa região, bem como orgulho da culinária italiano a nível internacional. Na área de Vercelli, os cistercienses de Santa Maria de Lucedio contribuíram para a expansão do cultivo do arroz, organizando a atividade agrícola em torno de centros de produção dependentes da abadia, que constituem os precursores das modernas fazendas agrícolas. Em outros países, deve-se aos monges a elaboração de produtos vitivinícolos, que ainda hoje enriquecem a nossa mesa. A cerveja feita com a adição de lúpulo, como a conhecemos hoje, teria sido preparada nas adegas monásticas, como nos lembra a famosa abadessa Hildegarda de Bingen, proclamada doutora da Igreja em 2012 por Bento XVI. A produção de cerveja e de queijo ainda hoje é uma das principais atividades artesanais de inúmeras abadias na Bélgica, no norte da França e na Alemanha, como em Maredsous, Orval, Westmalle e Andechs. Há alguns anos a cerveja também está sendo produzida em algumas abadias italianas: famosa é, por exemplo, a cerveja aromatizada com eucalipto dos trapistas das Tre Fontane, em Roma.

Até mesmo a produção de mel tem uma longa tradição dentro dos muros monásticos desde os primeiros séculos da era cristã, quando a Igreja impôs a obrigação de usar a puríssima cera de abelha para as velas do altar. O processamento de mel e dos produtos da colmeia é uma das atividades artesanais dos monges de Finalpia, de Praglia e dos olivetanos de Seregno. As atividades agrícolas e a transformação de produtos alimentícios dentro dos muros monásticos são representadas com grande exuberância em algumas miniaturas medievais famosas, como aquelas no manuscrito do Comentário ao Livro de Jó de São Gregório Magno, realizado na famosa Abadia de Citeaux por volta de 1100, e agora mantido na biblioteca municipal de Dijon; a obra é adornada com uma série de iniciais decoradas com cenas típicas da vida camponesa: um monge derruba uma grande árvore ajudado por um coirmão que aparece entre os ramos, um monge com a túnica remendada corta trigo, outro amarra os feixes de trigo enquanto outro corta lenha para a lareira e o monge da vinha recolhe os cachos maduros.

Os primeiros remédios curativos a base de ervas e elementos naturais também foram processados dentro das cozinhas monásticas: pomadas, bálsamos, unguentos, cremes e destilados, que ainda são produtos artesanais. Para o processamento de ervas medicinais cultivadas no jardim do mosteiro que será chamado de “Jardim dos simples”, foram montados almofarizes, mós, balanças e alambiques. Em seu antigo boticário, as monjas camaldolesas de Pratovecchio, na província de Arezzo, ainda conservam um monumental alambique de pedra do século XII, com vinte e dois bicos.

Mel, biscoitos, geleias, licores, destilados, cerveja, queijos e outros produtos ainda são artesanais e muitas vezes são vendidos aos visitantes. Perto das cozinhas, muitas vezes de dimensões monumentais como a de Vallombrosa, eram construídos locais específicos para o armazenamento dos alimentos. No arquivo histórico de San Pietro em Perugia, existe um pequeno e belíssimo registro do século XVII, onde, ao lado das notas de despesas, estão representadas as fábricas monásticas reestruturadas pelos monges; de grande interesse são os desenhos do viveiro, onde o peixe vivo era mantido para os dias de abstinência, a adega com grandes barris e a neveira, na qual a neve era armazenada para preservar alimentos perecíveis. Em San Pietro, ainda é possível admirar a monumental neveira do século XVII, construída segundo o modelo das antigas tumbas etruscas. Em Vallombrosa, onde no inverno as temperaturas são muito baixas, o gelo era produzido tanto para a sala de refrigeração do mosteiro como para ser vendido a nobres florentinos. Em Santa Maria del Monte, em Cesena, ainda estão em uso as adegas medievais, onde as mais deliciosas safras de Albana doce e Sangiovese são armazenadas; em Monte Oliveto Maggiore, a adega do século XIV está em funcionamento e é o coração da moderna fazenda agrícola da abadia.

Esse livreto ainda nos conta sobre muitas tradições e hábitos alimentares nos mosteiros. Os beneditinos de Santa Maria de Rosano, que ainda hoje celebram o ofício divino em latim e com esplêndidas melodias gregorianas, produzem refinados paramentos e preciosos adereços para as igrejas e, em seu moderno laboratório, restauram antigos manuscritos e livros; mas também sabemos que na cozinha preparam doces especiais, as geleias com frutas da horta e a deliciosa geleia de marmelo. Em Santa Maria del Monte, em Cesena, os monges lembram a comemoração dos mortos, quando na noite da vigília, em 1º. de novembro, se preparavam as “almas purgativas”, ou seja, as castanhas assadas salpicadas com uma boa graspa flambada que, mexidas nas frigideiras de cobre, emitiam faiscas coloridas de luz na escuridão do refeitório. O mesmo refeitório onde, por ocasião da visita às dioceses da Romagna em maio de 1986, João Paulo II foi recebido para comer o bom peixe de Cesenatico com toda a comunidade monástica. No mosteiro, a refeição é sempre um momento de profundo compartilhamento com os coirmãos, como mostra o afresco do Milagre de São Guido, no refeitório da antiga abadia de Pomposa, em que é representado o abade Guido, que transforma vinho em água para poder beber com o bispo de Ravenna, Gebeardo, também em dias de jejum. À mesa, finalmente, é expressa a tolerância para com todos, mesmo aqueles que seguem uma dieta diferente da nossa, como sugere o afresco do século XVI do Sonho de São Pedro na sacristia de San Pietro em Perugia: São Pedro em sonhos vê todos animais dos quais pode alimentar-se livremente porque tudo o que Deus criou é bom, desde que seja consumido com moderação e com o respeito pela criação.

A obra Monaci a tavola fala de uma mesa simples e sóbria, onde se come de maneira saudável e equilibrada, sem excessos e sem desperdício, com respeito e reconhecimento por quem produziu os alimentos e por quem os preparou e cozinhou com carinho para compartilhá-los com os confrades, na época de São Bento bem como nas comunidades monásticas de hoje. A partir desse livro, emerge a grande sabedoria e o equilíbrio que estão na base da Regra de São Bento, que, embora tenha sido escrita há mais de quinze séculos, ainda é de grande atualidade para nós, homens do século XXI.

 

Fonte: Na justa medida. São Bento e a Regra à mesa – Instituto Humanitas Unisinos – IHU

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