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3. A LEITURA

“Nosso Pai São Bento estabelece a leitura nos intervalos dos ofícios.”

É um exercício importante? – “Sem dúvida a alma vive de Deus, através da comunicação direta que Ele se digna nos fazer dEle mesmo pelo Sacramento da Eucaristia. Mas é preciso que ela viva de Deus do ponto de vista da verdade.” – Poucas almas vivem assim dEle! – “Só há um infortúnio nesta terra, é o de estar fora da verdade. O mundo está doente por causa da diminuição das verdades e do medo do sobrenatural.”

Qual é a causa dessa diminuição das verdades? – “Desde a invenção da imprensa, o palavrório tornou-se um flagelo. Uma olhada nos jornais mostra que todas as inteligências foram mais ou menos atingidas. Em todas as esferas sente-se a oscilação e a incerteza. Desconfie de todas as publicações novas, mesmo das que se dizem piedosas e católicas, mesmo que muito recomendadas. O liberalismo, o racionalismo, o naturalismo, o modernismo, essas várias deformações do espírito cristão se infiltram em toda parte. É como uma vertigem universal e contagiosa.”

Como escapar do contágio? – “Nosso Senhor suscita e quer reservar para si novos mosteiros não somente para dar a idéia da santidade, mas como campos entrincheirados de ortodoxia pura e de santa razão. Ainda que não sejamos gênios, quero que sejamos de uma ortodoxia imaculada.”

O que se deve ler? – “O que é necessário não é a quantidade nem o volume, mas a qualidade. Pouco, bom, seguro.

1. de preferência, a palavra de Deus;

2. em seguida, os livros santos escritos pelos santos, indicando os meios de adquirir a santidade;

3. a vida dos Apóstolos, dos Mártires, dos Confessores e das Virgens e

4. livros que mostrem de que maneira é preciso praticar a vida interior, a vida ascética, a vida espiritual.”

“Aí estão os livros de preferência. Se pensarmos bem, são os únicos que devem ser lidos nos mosteiros.”

A.  Sagrada Escritura

 

“Acima de todas as leituras está a leitura da Sagrada Escritura. A Bíblia está acima das elucubrações humanas, como o céu está acima da terra. Ela deve ser a matéria do trabalho intelectual dos monges e das monjas. A Sagrada Escritura, Verbum Dei, é o centro de nosso movimento intelectual. Os exemplos que nos dá toda a antigüidade, que nos dão sobretudo os monges, se resumem nisto: o recurso à Sagrada Escritura, o estudo insaciável da Sagrada Escritura, a busca de Cristo na Sagrada Escritura.”

 

Como ela deve ser lida? – “Há duas maneiras de ler a Escritura:

1. Ler a Sagrada Escritura materialmente e compreendê-la de uma maneira muito limitada, o que é o caso dos que criticam e esmiúçam o texto sagrado. Esmiuçar: sim. Mas não como modo de conhecer bem o pensamento de Deus, porque em vez de se penetrar no âmago da sua palavra, fica-se no exterior, perde-se tempo a considerar opiniões diferentes do ponto de vista acessório dessa palavra divina, da perspectiva pela qual ela se liga ao tempo decorrido e até à literatura.”

2. Ou então ler a Sagrada Escritura de modo a compreender o sentido que Deus quis realmente colocar nela para cada um de nós. Os Livros Santos têm um sentido universal que se dirige à multidão e um sentido particular que se dirige à cada alma. Há aí alguma coisa para nós. Lemos uma carta de Deus endereçada a nós. Uma simples palavra saída dos lábios divinos visa inumeráveis almas, as almas de todos os que passam nesta terra de geração em geração. Deus se dirige a cada um de nós como se fôssemos únicos no mundo. É por isso que é raro que um texto da Sagrada Escritura não seja resposta a um pensamento de nossa alma, a um desejo de nosso coração. Se nós procuramos Deus, é ainda mais verdadeiro que Deus nos procura; se nossa alma estiver voltada para Ele, há um encontro: o olhar de Deus e o olhar da criatura, o movimento da alma e o movimento do Senhor se encontram.”

“É uma temeridade pegar os Livros Santos e lê-los como se leria uma obra qualquer; é, do ponto de vista espiritual, uma grande inépcia: decifraríamos os caracteres, soletraríamos as sílabas e não compreenderíamos o que Deus nos concede compreender. Se, ao contrário, rezamos com humildade, Ele fará a nossa alma recolher por meio do texto algo que lhe foi destinado desde toda eternidade. Nossa leitura torna-se bem pessoal, absolutamente como a oração. Ela se adapta ao nosso estado atual de alma, à nossa capacidade de compreensão, às disposições de nosso coração, e nos coloca em oração.”

 

Como ela faz isso? – “A própria vida de Deus circula nessa palavra. As palavras humanas são cadáveres de palavras. As palavras divinas são palavras vivas; elas são vivas da vida de Deus, pois Deus quer se esconder sob a letra para se comunicar à nossa alma. Se ela nos comove, é Deus que, na sua bondade, se esconde sob a casca da letra a fim de nos falar.”

“Nada é comparável à palavra divina! Ela dá um impulso para o bem. Ela nos inebria da santidade infinita, nos dá a idéia do que pode nos fazer adquirir a santidade, ela tem um grande poder de persuasão, de atração pelas virtudes mais difíceis.”

B.  Evangelho

 

“O Evangelho! Eis o livro dos livros! Ele é por excelência o livro dos padres e das almas que aspiram à perfeição, das almas consagradas. Todas as questões que interessam à nossa salvação, ao bem dos nossos irmãos, à nossa vida pessoal, se encontram resolvidas no Evangelho. Antes de procurar neste ou naquele livro, ou nas academias a solução dos problemas que se relacionam com nossa perfeição, recorramos ao Evangelho. Que a sua leitura seja uma leitura atenta, assídua, refletida, continuamente recomeçada. Com a leitura do Evangelho, quanto tempo ganho, quanto proveito para a reflexão pessoal, para a oração, para a glória de Deus! Que grande campo para a ação divina! Deixemos tudo e vamos ao Evangelho, interroguemos o Evangelho! O Evangelho não é menos que o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Senhor nos espera nele. Ele está aí, bem perto de nós, ao longo de todos os textos do Evangelho, a cada proposição, a cada palavra; Ele está vivo, presente, pronto a nos conduzir, a nos manifestar cada vez mais sua bondade, sua misericórdia e seu amor!”

Em 1917 Dom Romain dá como leitura de Quaresma para todos os seus monges “o Evangelho integral de São João, em reparação das iniqüidades de Loisy e para conhecer mais intimamente Nosso Senhor. Essa leitura deve ser feita não de uma maneira exegética e sob forma de estudo, esclarecia ele , mas com a fé simples de Abraão e em oração.”

Ele queria que seus monges se tornassem “encarnações do Evangelho, almas evangélicas”.

C.  Documentos da Santa Sé

 

“É preciso ler assiduamente os documentos da Santa Sé. No mundo não há mais verdade senão em Nosso Senhor, em seu Vigário e nas almas que aderem íntima e incondicionalmente a esse sol e a esse refletor estabelecido por Ele mesmo.”

 

Como se deve lê-los? – “Para entender o Papa, é preciso desembaraçar sua palavra das variadas combinações pelas quais cada um se esforça por interpretá-la segundo seu sentido privado.”

 

“Que pelo menos no claustro se compreenda o que é ser verdadeiramente filho da Igreja, sem variante, inteiramente, ou então não seremos dignos de São Bento. Procurem-se as concessões que Nosso Pai São Bento fez ao espírito do mundo! Ou se é católico ou não se é! Tudo ou nada! É preciso não ser católico sob condição, mas católico ao pé da letra: católico com a Santa Sé, com o Soberano Pontífice, com os Bispos, os padres que estão encarregados de nos dirigir; católico em toda parte, em toda circunstância. Inútil tentar escapar: a palavra de Deus não suporta o contrário. Tudo ou nada na Santa Igreja. Se comprometemos alguma de suas leis, comprometemos tudo.”

D.  Santo Tomás

 

“É preciso colocar todo nosso ensino, tudo, tudo, sob a proteção do Doutor Angélico. Pio IX, Leão XIII, Pio X tanto o recomendaram! E em certo Seminário Maior se tem um tão perfeito desdém pelo príncipe da filosofia católica e da teologia! Como é lamentável! Aqui, somos cada vez mais tomistas.”

Que pensa o senhor de Santo Tomás? – “É um espírito de tal modo correto, de tal modo razoável! Ele esclareceu tanto a doutrina da Igreja e também a doutrina da vida monástica! Nós devemos, no íntimo de nossa alma, ter uma lembrança bem especial, permanente, desse grande santo; devemos merecer receber dele auxílios preciosos. Que ele nos conserve na virgindade da ortodoxia da fé católica. “Casta veritatis virginitas”, em linguagem católica é a ortodoxia, isto é, a inflexibilidade da verdade.”

E.  Estudos

 

 

“Só há uma ciência, a que vem diretamente de Deus. O objeto da ciência é Ele. Trata-se de conhecer a Deus, depois nós mesmos e nosso destino. Deus não quer que se prejudique a integridade da verdade que Ele revelou. Ele é extremamente cioso dela.”

 

Por quê? – “Deus se identifica com sua doutrina.”

 

Fora da Sagrada Escritura, dos documentos da Santa Sé e de Santo Tomás, onde encontraremos essa doutrina? – “Na Patrologia.” – Em nenhuma outra parte? – “Sim, mas a segurança só se encontra nos livros escritos pelos santos.”

 

O senhor quer a ciência para os seus monges? – “Creio que eu seria capaz de fazer grandes sacrifícios para adquiri-la e transmiti-la à comunidade. Mas o que ambiciono não é o brilho, nem a fama, nem o renome, nem obras publicadas, mas a doutrina bem ortodoxa, uma medida razoável de erudição, uma literatura antiga, sobretudo latina e francesa, não decadente, mas do autêntico século XVII, o culto e o amor do trabalho por Deus. Tudo isso acompanhado da mais sincera humildade. Que se vá ao fundo das questões. Os princípios continuam princípios. Se nós os acolhemos em sua plenitude, somos discípulos da verdade.”

 

Como se deve estudar? – “Em forma de oração. Ler-se-á muito mais com o íntimo da alma do que com a cabeça.” – O que o senhor quer dizer? – “É preciso que sejamos sensatos, calmos, fiéis às nossas obrigações, almas interiores. Então Jesus-Verdade falará no segredo de nossos corações. A verdade não faz barulho. Ela não é turbulenta. Ela não se prodigaliza. É preciso procurá-la no fundo do coração, controlá-la com a ajuda das virtudes. O estudo é uma ocasião que se dá ao Senhor de falar à alma. É uma audiência que Deus nos dá. É uma oração que nós fazemos.”

“Se não se ler assim os livros espirituais, não se encontrará nada, não se tirará daí nenhum proveito.”

 

O estudo assim feito é saboroso. – “Aquele que é de Deus põe suas delícias em ouvir a palavra de Deus. Os doutores e a experiência mostram que é assim. Essa solicitude se mostra em tudo quando a conversão é sincera e consumada. O afastamento e o desdém das santas leituras indicam, com certeza, uma decadência da alma ou um obstáculo secreto à graça. Saber é incômodo quando não se quer conformar sua conduta ao que se sabe.”

 

O senhor quer, portanto, que se seja assíduo ao estudo? – “A ciência que não é mantida pela assiduidade se desvanece rapidamente. Ao contrário, quanto mais se demora no estudo, mais se é cativado por ele, porque Deus se revela e se dá pela virtude escondida das santas leituras.”

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