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APOFTEGMAS DO ABADE POIMÉM

1. O Abade Poimém, quando era jovem, foi certa vez visitar um ancião a fim de o consultar a respeito de três pensamentos. Quando, porém, chegava à morada do ancião, esqueceu um dos três pensamentos. Voltou, então, para a sua cela, e, quando colocou a mão sobre a chave para abri-la, recordou-se do que esquecera. Deixou, pois a chave e foi ter de novo com o ancião. Este disse-lhe: «Vieste depressa, irmão». Poimém explicou-lhe: «Quando coloquei a mão sobre a chave para tomá-la, recordei-me da ideia que procurava, e não abri: por isto, voltei. Ora a extensão da estrada era muito grande». O ancião respondeu: «Poimém (Pastor) de anjos (NT: Se em grego se prefere a forma variante “ageloon” em vez de “aggéloon”, deve-se traduzir: Pastor de rebanhos, sendo o nome Poimêm equivalente a Pastor.), teunome será proclamado de boca em boca por toda a terra do Egito».

2. Em certa ocasião Paésio, o irmão do Abade Poimém, tinha colóquios com alguém fora da cela. Ora o Abade Poimém não queria isto; levantou-se, pois, e fugiu para junto do Abade Amonas, dizendo a este: «Paésio, meu irmão, tem colóquios com alguém, e, em conseqüência, eu não sossego». Perguntou-lhe o Abade Amonas: «Poimém, ainda vives? Vai, senta-te em tua cela e coloca em teu coração a ideia de que já há um ano que jazes no sepulcro».

3. Em dada ocasião, presbíteros da região foram aos mosteiros em que estava o Abade Poimém. O Abade Anube chegou-se então a ele e disse-lhe: «Convidemos os presbíteros a vir cá hoje». E esperou em pé muito tempo, sem que Poimém lhe desse resposta; após o que, Anube se retirou triste. Então os que estavam sentados juntos a Poimém, perguntaram-lhe: «Abade, porque não lhe
deste resposta?» O Abade Poimém explicou-lhes: «Nada tenho que ver, pois morri. Ora o morto não fala».

4. Havia no Egito, antes que lá chegassem o Abade Poimém e os seus companheiros, um ancião que gozava de grande fama e grande estima. Ora, quando chegaram da Cétia o Abade Poimém e os seus, os homens deixaram o ancião e iam procurar a Poimém. Este se afligia com o fato, e disse a seus irmãos: «Que havemos de fazer a este grande ancião pois os homens nos suscitaram aflição, abandonando o ancião e dirigindo-se a nós, que nada somos? Como poderemos ser agradáveis ao ancião?» A seguir, acrescentou: «Preparai pequenas porções de alimento, tomai uma medida de vinho, e vamos ter com o ancião; comeremos juntos; talvez assim lhe possamos dar agrado». Tomaram, pois, os alimentos, e saíram. Ora, quando bateram à porta, o discípulo do ancião, que os escutara, perguntou: «Quem sois?» Responderam : «Dize ao Abade que Poimém aqui está, querendo ser abençoado por ele». O discípulo referiu isto e voltou com a resposta: «Vai-te, não tenho tempo». Eles, porém, permaneceram no calor do sol, dizendo: «Não partiremos antes que sejamos julgados dignos de ver o ancião». Este, vendo a humildade e a paciência deles, ficou compungido e lhes abriu a porta. Entraram, então, e comeram com ele; quando, pois, estavam a comer, disse o ancião: «Em verdade, não somente o que ouvi dizer de vós, é fidedigno, mas ainda vi o cêntuplo disso em vossa conduta». E tornou-se amigo deles a partir daquele dia.

5. Em certa época o Governador da região quis ver o Abade Poimém; o ancião, porém, não o desejava receber. Servindo-se então de um pretexto, mandou prender como malfeitor o sobrinho, e o pôs no cárcere, dizendo: «Se o ancião vier e interceder por ele, eu o soltarei». Ora a irmã de Poimém foi ter com o Abade, ficando a chorar diante da porta; este, porém, não lhe deu resposta. Em conseqüência, ela se pôs a insultá-lo, dizendo: «Tu que tens entranhas de bronze, compadece-te de mim, pois é meu filho único». O Abade mandou-lhe dizer: «Poimém não gerou filhos». Assim se retirou ela. Ao saber disto, o Governador mandou dizer: «Que o Abade o ordene ao menos com a palavra, e eu soltarei o menino». O ancião fez saber em resposta: «Investiga conforme as leis, e, se é digno de morte, morra; se não o é, faze como quiseres.

6. Certa vez um irmão pecou num cenóbio. Ora havia naquelas regiões um anacoreta que, desde muito, não saía mais em público. O Abade do cenóbio foi ter com ele e contou-lhe o caso do delinqüente. O anacoreta respondeu: «Expulsai-o». Saindo assim do cenóbio, o irmão penetrou numa gruta, onde se pôs a chorar. Aconteceu então que irmãos, num momento de lazer, foram visitar o Abade Poimém, e, a caminho, ouviram o irmão que chorava; entraram, então, na gruta e, encontrando-o, em grande angústia, exortaram-no a ir procurar Poimém. Ele, porém, não queria, dizendo: «Aqui morrerei». Os irmãos então prosseguiram até a cela do Abade Poimém e narraram-lhe o ocorrido. Este, em resposta, lhes mandou voltar, dizendo: «Anunciai ao irmão: «O Abade Poimém te está chamando». Assim se chegou o irmão. O ancião, vendo-o aflito, levantou-se, abraçou-o e, tratando-o com bom humor, convidou-o para comer. A seguir, o Abade Poimém mandou um dos irmãos ter com o anacoreta, para transmitir o seguinte: «Tendo ouvido contar o que fazes, há muitos anos desejo ver-te, mas, por timidez de ambos, ainda não nos encontramos. Agora, porém, que se apresenta uma ocasião, se é vontade de Deus, dá-te a pena de vir até aqui e nós nos veremos». Ora o anacoreta não saía da cela; ouvindo, porém, estas palavras, disse consigo: «Se Deus não o tivesse inspirado ao ancião, este não me teria mandado tal recado». E, levantando-se, foi ter com Poimém. Os dois abraçaram-se mutuamente com alegria e sentaram-se juntos. Disse então o Abade Poimém: «Havia em certo lugar dois homens, os quais tinham cada qual um morto em sua casa; ora um deles deixou o seu morto para ir chorar o do outro». Ao ouvir isto, o ancião compungiu-se, recordando-se do que fizera, e disse: «Poimém, para o alto, para o alto, penetrando no céu; eu, porém, para baixo, para baixo, penetrando na terra».

7. Certa vez um grupo numeroso de anciãos foi ter com o Abade Poimém. Ora um dos parentes do Abade Poimém tinha um menino cuja cabeça, por ação do demônio, estava virada para trás. O pai
da criança, vendo o grande número de Padres reunidos, tomou o menino e sentou-se fora do mosteiro a chorar. Aconteceu que um dos anciãos saiu, e, vendo-o, perguntou: «Porque choras, homem?» Este respondeu: «Sou parente do Abade Poimém; eis que sobre o menino recaiu tal maldade do demônio; desejamos levá-lo ao ancião, mas tememos, pois este não nos quer ver. E, se agora souber que estou aqui, mandará expulsar-me. Eu, porém, observando a vossa chegada, ousei aproximar-me. Portanto, Abade, compadece-te de mim, como bem quiseres; leva meu filho para dentro, e orai vós por ele». O ancião, levando o menino, entrou, e pôs-se a agir com prudência: não o levou logo ao Abade Poimém, mas, começando pelos irmãos mais jovens, disse: «Fazei o sinal da cruz sobre a criança». Tendo conseguido que todos a persignassem, por último levou-a ao Abade Poimém. Este não queria que o menino se aproximasse. Os outros, porém, o solicitavam, dizendo: «Como todos, faze também tu, Pai». Ele, então, gemendo, levantou-se e orou dizendo: «Ó Deus, cura a tua criatura, para que não seja dominada pelo inimigo». A seguir, fez-lhe o sinal da cruz, ficando logo curado o menino, que ele entregou são ao seu pai.

8. Em dada ocasião um irmão foi da região do Abade Poimém para terra estrangeira, onde chegou à cela de certo anacoreta, que, por ter grande caridade, era procurado por muitos. O irmão falou-lhe do Abade Poimém, de modo que, sabendo das virtudes deste, o anacoreta desejou vê-lo. Certo tempo depois que o irmão voltara para o Egito, o anacoreta levantou-se e foi da terra estrangeira para o Egito em demanda do irmão que outrora o visitara, pois este lhe dissera onde morava. Vendo-o, este se admirou e alegrou profundamente. Disse então o anacoreta: «Faze a caridade de me levar ao Abade Poimém». O irmão conduziu-o ao ancião, a quem anunciou nestes termos as qualidades do visitante: «É um grande homem, dotado de muita caridade e de muita estima em sua terra. Falei-lhe de ti, e ele veio desejoso de te ver». Poimém recebeu-o então com alegria, e, depois de se terem saudado, sentaram-se. O estrangeiro começou a falar da Escritura, de coisas espirituais e celestes; diante disto, o Abade Poimém voltou o rosto e não deu resposta. Aquele, vendo que Poimém não lhe falava, ficou triste e saiu, dizendo ao irmão que o conduzira: «Em vão fiz toda esta viagem. Com efeito, vim visitar o ancião, e eis que nem quer falar comigo». O irmão entrou, pois, na cela do Abade Poimém e disse-lhe: «Abade, foi por causa de ti que este grande homem veio, ele que goza de tanta glória em sua terra; por que não conversaste com ele?» Respondeu-lhe o ancião: «Ele é do alto e fala de coisas celestes, enquanto eu sou de baixo e falo de coisas terrestres. Se me tivesse falado das paixões da alma, eu lhe teria respondido; tratando-se, porém, de coisas espirituais, eu não estou a par». O irmão então saiu e disse ao estrangeiro: «O ancião não costuma falar de Escritura, mas, se alguém lhe fala das paixões da alma, ele responde». O visitante, compungido, foi de novo procurar o ancião e disse-lhe: «Que farei, Abade, pois que me dominam as paixões da alma?» Poimém fitou-o com alegria e disse-lhe: «Desta vez vieste oportunamente. Agora abre a boca a respeito dessas coisas, e eu a encherei de bens». O estrangeiro, muito edificado, acrescentou: «Sem dúvida, essa é a via genuína». E voltou para a sua terra, dando graças a Deus por ter sido julgado digno de encontrar tal santo.

9. Certa vez o Governador da região mandou prender alguém da aldeia do Abade Poimém. Todos então foram pedir ao ancião que saísse e libertasse o prisioneiro. Ele respondeu: «Deixai-me três dias, depois dos quais irei». Nesse intervalo, orou ao Senhor, dizendo: «Senhor, não me concedas essa graça; pois não me deixariam mais ficar neste lugar». A seguir, foi rogar o Governador, o qual lhe disse: «Intercedes por esse ladrão, Abade?» Ora o ancião alegrou-se por não ter recebido o favor.

10. Alguns contaram que certa vez o Abade Poimém e seus irmãos estavam a fabricar pavios; mas não puderam continuar, por não terem com que comprar os fios de linho necessários. Ora um deles, caro a todos, contou isto a certo negociante, homem de fé. O Abade Poimém, porém, nunca queria aceitar algo de quem quer que fosse, por causa do assédio de gente que seria assim ocasionado (NT:
Muitas outras pessoas, querendo beneficiar o ancião, o procurariam para levar-lhe os seus presentes). O negociante, então, intencionando fazer obra boa ao ancião, alegou precisar de pavios; foi, pois, com o seu camelo à cela do Abade, e voltou com os pavios que aí tomara. Depois disto, o dito irmão foi ter com o Abade Poimém, e, tendo ouvido o que o negociante fizera, disse, intencionando louvar a este: «Em verdade, Abade, mesmo que ele não precisasse, teria levado os pavios para nos fazer uma boa obra». O Abade Poimém, tendo assim compreendido que o negociante levara os pavios sem precisar deles, disse ao irmão: «Levanta-te, aluga um camelo, e traze de volta os pavios; senão os trouxeres, Poimém não habitará mais aqui convosco. Não quero causar dano a um homem que não precisa dos objetos; ele sofreria prejuízo, tomando os objetos com que eu lucro». O irmão foi-se com muita pena, e trouxe os pavios de volta; senão, o ancião os teria abandonado. Quando Poimém viu os pavios, alegrou-se como se tivesse encontrado grande tesouro.

11. Certa vez o presbítero de Pelúsio ouviu, a respeito de certos irmãos, que eles iam continuamente à cidade, se lavavam (NT: Lavar-se nos balneários das cidades era antigamente sinal de luxo) e se descuidavam da própria alma. Em conseqüência, por ocasião da assembléia litúrgica, retirou-lhes o hábito monástico. Depois disto, porém, seu coração o acusou, e, arrependido, foi ter com o Abade Poimém, como que embriagado em seus pensamentos, tendo nas mãos as túnicas dos irmãos, contou o caso ao ancião. Este perguntou-lhe então: «Não tens tu algo do homem velho? Será que já o despiste?» O presbítero confessou: «Participo ainda do homem velho». Continuou o ancião: «Eis, portanto, que tu és como os irmãos. Pois, se participas, embora pouco, do que é velho, também tu estás sujeito ao pecado». Então o presbítero se foi, chamou os irmãos, e pediu-lhes desculpas (eram onze); a seguir, revestiu-os do hábito monástico e despediu-os.

12. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Cometi um grande pecado, e desejo fazer penitência durante três anos». Respondeu o ancião: «É muito». Os que estavam presentes disseram então: «E durante quarenta dias?» Mais uma vez replicou o ancião: «É muito». E acrescentou: «Digo que, se o homem se arrepende de todo o coração e não torna a cometer o pecado, Deus o recebe já após três dias».

13. Disse também: «O sinal do monge se manifesta nas tentações».

14. Disse ainda: «Como o espadário do rei a este assiste, pronto em todo tempo, assim é preciso que a alma esteja pronta diante do demônio da fornicação».

15. O Abade Anube interrogou o Abade Poimém a respeito dos pensamentos impuros que o coração do homem gera, e a respeito dos vãos desejos. O Abade Poimém respondeu: «Gloriar-se-á o machado sem aquele que o manuseia? (Is 10,15) Também tu não dês a mão a eles e serão frustrados» (NT: Isto é, as tentações não nos podem ser nocivas, enquanto não lhes prestamos nossa cooperação).

16. Disse de novo o Abade Poimém: «Se Nabuzardan, o cozinheiro-chefe, não tivesse vindo, não se teria incendiado o templo do Senhor (2Rs 25,8-10). Isto quer dizer: se o deleite da gula não entrasse na alma, a mente não cairia quando impugnada pelo inimigo.

17. Do Abade Poimém contavam que, convidado a comer quando não o queria, aquiesceu, embora em prantos, a fim de não deixar de atender ao irmão e não o contristar.

18. Disse mais o Abade Poimém: «Não habites em lugar onde vês que alguns têm inveja de ti; senão, não progredirás».

19. Alguns referiam ao Abade Poimém que certo monge não bebia vinho. Respondeu: «O vinho em absoluto não é para os monges».

20. O Abade Isaías interrogou o Abade Poimém a respeito dos pensamentos impuros. Este respondeu: «Se tivermos um baú cheio de vestes e as deixamos fechadas, apodrecerão com o tempo. Assim também são os pensamentos: se não executamos com o nosso corpo, no decorrer do tempo extinguem-se ou apodrecem».

21. O Abade José propôs ao Abade Poimém a mesma pergunta. Este respondeu: «Se alguém lança uma cobra e um escorpião no mesmo recipiente e fecha a este, não resta dúvida de que morrerão com o tempo; assim também os maus pensamentos: suscitados pelos demônios, desaparecem pela paciência».

22. Um irmão foi ter com o Abade Poimém e disse-lhe: «Semeio o meu campo, e com os seus frutos pratico a caridade». Respondeu o ancião: «Fazes bem». O irmão saiu então animado, e multiplicou as suas esmolas. Ora o Abade Anube ouviu contar isto, e perguntou ao Abade Poimém: «Não temes a Deus, pois que assim falaste ao irmão?» O ancião calou-se. Dois dias depois, porém, mandou chamar o irmão e perguntou-lhe em presença do Abade Anube: «Que me disseste o outro dia? Minha mente estava em outro lugar». O irmão respondeu: «Disse que semeio o meu campo e com os seus frutos pratico a caridade». O Abade Poimém observou: «Julguei que falavas de teu irmão que vive no século; se és tu que o fazes, digo-te que isto não é coisa de um monge». Ao ouvir isto, o irmão entristeceu-se e replicou: «Não sei fazer outro trabalho senão este; não posso não semear o meu campo». Depois, então, que o irmão se retirou, o Abade Anube se prostrou diante de Poimém e disse-lhe: «Perdoa-me». E o Abade Poimém explicou: «Também eu, desde o início, sabia que essa tarefa não é própria para um monge, mas falei de acordo com as disposições dele, e, com isto, animei-o a progredir na caridade. Agora, porém, ele se foi abatido, e, não obstante, tornará a fazer o mesmo».

23. Disse o Abade Poimém: «Se o homem pecar e o negar, dizendo: ‘Não pequei’, não o acuses, pois lhe cortarias o ânimo. Se, ao contrário, lhe disseres: ‘Não percas ânimo, irmão, mas guarda-te para o futuro’, excitarás a sua alma à penitência».

24. Disse mais: «Boa coisa é a experiência, pois ela ensina ao homem honesto».

25. Disse ainda: «O homem que ensina, mas não pratica o que ensina, é semelhante a uma fonte, pois a todos oferece com que beber e se lavar, mas a si mesma não pode purificar».

26. Certa vez, quando o Abade Poimém andava pelo Egito, viu uma mulher sentada junto a um túmulo, a qual chorava amargamente. E disse: «Ainda que venham todos os deleites deste mundo, não lhe tirarão a alma da tristeza em que se acha. Assim também o monge deve sempre trazer a tristeza em si mesmo» (NT: Isto é, a grande dor de ter pecado).

27. Disse mais: «Há o homem que parece calado, mas cujo coração condena a outros; esse tal está sempre a falar. E há outro homem que fala da manhã à noite, mas guarda o silêncio, isto é, nada diz que não seja de edificação».

28. Um irmão foi ter com o Abade Poimém e disse-lhe: «Abade, tenho muitos maus pensamentos, e corro perigo por causa deles». O ancião levou-o ao ar livre e disse-lhe: «Dilata os pulmões e detém os ventos». O irmão respondeu: «Não o posso fazer». Continuou o ancião: «Se não o podes fazer, também não podes impedir que os pensamentos venham; mas está em teu poder resistir a eles».

29. Disse o Abade Poimém: «Se três se reúnem, dos quais um leva dignamente uma vida tranquila, o outro é doente e dá graças a Deus, o terceiro faz o seu serviço com mente pura, esses três realizam um só e idêntico grau de virtude».

30. Disse também: «Está escrito: ‘Como o cervo deseja as fontes das águas, assim minha alma deseja a Vós, Deus’ (Sl 41,2). Ora os cervos no deserto, devoram muitas serpentes; a seguir, quando o veneno os faz arder de sede, desejam chegar-se às águas; e, ao beberem, refrescam-se, livrando-se do veneno das serpentes. Assim também os monges, morando no deserto, são queimados pelo veneno dos maus demônios, e desejam o sábado e o domingo para se chegarem às fontes das águas, isto é, ao Corpo e ao Sangue do Senhor, a fim de se purificarem da amargura do Maligno».

31. O Abade José perguntou ao Abade Poimém como se deve jejuar. Respondeu este: «Quero que todos comam diariamente, mas pouco, de modo a não ficarem saciados». O Abade José replicou: «Quando eras jovem, não comias de dois em dois dias, Abade?» O ancião respondeu: «Sim, e também de três em três, de quatro em quatro dias, e uma vez por semana. Todas essas coisas, os Padres, fortes como eram, as experimentaram, e concluíram que é oportuno comer todos os dias, mas pouco; assim nos entregaram a via regia, porque suave».

32. A respeito do Abade Poimém contavam que, antes de ir para o Oficio, se sentava a sós, ficando a examinar os seus pensamentos durante cerca de uma hora. Depois disto é que se punha a caminho.

33. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Deixaram-me uma herança; que farei com ela?» O ancião respondeu: «Retira-te, e volta dentro de três dias, e eu te direi». Aquele voltou, como lhe determinara o ancião, o qual lhe disse: «Que hei de te responder, irmão? Se te disser: ‘Dá-a à igreja’, lá farão ceias; se te disser: ‘Dá-a a um parente teu’, não terás recompensa; se te disser: ‘Dá aos pobres’, tu te descuidarás de o fazer. Age, pois, como bem quiseres; eu não tenho parte na questão».

34. Um outro irmão perguntou-lhe: «Que significa : ‘Não retribuirás o mal pelo mal?’ (1Tes 5,15; 1 Pe 3,9)». O ancião respondeu: «Esse vício tem quatro modalidades diversas: a primeira provém do coração; a segunda, da vista; a terceira, da língua; e a quarta é não fazer o mal em troca do mal (NT: O Abade quer dizer que fazer exteriormente o mal em troca do mal supõe três defeitos exteriores). Se puderes purificar o teu coração, o mal não chegará aos olhares; se, porém, atingir os teus olhares, guarda-te de o pronunciares pela boca; se o pronunciares, preserva-te logo de fazer o mal em troca do mal».

35. Disse o Abade Poimém: «Refrear-se, vigiar sobre si mesmo, e usar de discernimento, estas três virtudes são as guias da alma».

36. Disse também: «Prostrar-se em presença de Deus, não se comparar, e atirar para trás a vontade própria, são instrumentos de que se serve a alma».

37. Disse ainda: «A vitória sobre qualquer pena que te sobrevenha, é calar-te».

38. Disse mais: «Todo repouso do corpo é abominação aos olhos do Senhor».

39. Disse também: «A compunção tem dois elementos: ela impele e também refreia».

40. Disse mais: «Se te vier a preocupação das coisas necessárias ao corpo, e lhe satisfizeres uma vez; se voltar de novo e lhe satisfizeres; caso volte a terceira vez, não lhe dês atenção, pois é vã (NT: Isto é: a repetida solicitude das necessidades corporais não é inspirada pela virtude).

41. Disse de novo: «Um irmão perguntou ao Abade Alônio: «Que significa o aniquilamento de si mesmo?» O ancião respondeu: «Significa colocar-se abaixo dos irracionais, e saber que estes não podem ser condenados» (NT: O homem que renuncia a si mesmo por amor de Deus, deixa de viver conforme a razão natural, meramente humana, e conforme os seus apetites naturais; a este título, pode ser considerado inferior aos irracionais. Todavia tal homem pratica essa renúncia para ser elevado a um nível de vida superior, ditado pelo próprio Deus. Com isto adquire a segurança de não ser condenado.).

42. Disse de novo : «Preferirá calar-se, o homem que se lembre do que está escrito: «Pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado» (Mt 12,37).

43. Disse também: «A distração é o começo dos males».

44. Disse mais: «O Abade Isidoro, o presbítero da Cétia, falou certa vez à sua gente nestes termos: ‘Irmãos, não foi para labutar que viemos a este lugar? Agora, porém, não oferece mais labuta. Por conseguinte, preparei o meu manto e me vou para onde há labuta; lá encontrarei bem-estar’».

45. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Se eu vir alguma coisa, queres que a conte?» O ancião respondeu: «Está escrito: ‘Quem pronuncia uma palavra antes de ouvir, é tolo e digno de censura’ (Pr 18,3). Se fores interrogado, fala; se não, permanece calado».

46. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Pode o homem confiar num só feito?» (Isto é: será oportuno cultivar predominantemente uma só virtude?) O ancião respondeu que o Abade João Curto afirmara: «Quero adquirir um pouco de todas as virtudes».

47. Disse também o ancião que um irmão perguntou ao Abade Pambo se é bom louvar o próximo; Pambo respondeu: «Melhor é calar-se».

48. Disse ainda o Abade Poimém: «Ainda que o homem faça um céu novo e uma terra nova, não pode deixar de ter preocupações».

49. Disse ainda: «O homem precisa da humildade e do temor de Deus como do sopro que procede das suas narinas (Isto é: essas virtudes são tão necessárias à vida cristã como a respiração à vida física.).

50. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que hei de fazer?» O ancião respondeu-lhe: «Abraão, quando entrou na terra prometida, comprou um sepulcro para si mesmo, e, por meio do sepulcro, recebeu a terra como herança». O irmão interrogou: «Que é um sepulcro?» Explicou o ancião: «É um lugar de pranto e luto».

51. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Quando dou a meu irmão um pouco de pão ou outra coisa, os demônios me fazem crer que esta ação é tão suja como se fora feita para agradar aos homens». O ancião respondeu: «Ainda que o fizéssemos para agradar aos homens, não obstante, demos aos irmãos o que lhes é necessário». E contou-lhes ainda a seguinte parábola: «Havia dois agricultores que habitavam a mesma cidade; um deles, tendo semeado, recolheu frutos poucos e impuros; o outro, porém, tendo-se descuidado de semear, nada absolutamente colheu; em caso de fome, qual dos dois encontrará o sustento de sua vida?» O irmão respondeu: «O que recolheu frutos poucos e
impuros». Concluiu o ancião: «Assim também nós: semeamos um pouco, ainda que impuro, para que não pereçamos de fome».

52. O Abade Poimém referiu o seguinte dito do Abade Amonas: «Há quem passe todo o tempo de sua vida a carregar o machado sem encontrar o modo de derrubar a árvore. Há também o homem perito de cortar, o qual com poucos golpes abate a árvore». E acrescentava que o machado é o discernimento.

53. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Como deve o homem nortear a sua vida?» Respondeu o ancião: «Consideremos Daniel; contra ele não se encontrou acusação a não ser a propósito do culto que ele prestava ao Senhor seu Deus».

54. Disse o Abade Poimém: «A vontade do homem é um muro de bronze entre ele e Deus, é uma rocha que reverbera. Se o homem a abandona, diz também ele: ‘Por força de meu Deus saltarei o muro’ (SI 17,30.). Por conseguinte, quando o preceito vai de encontro à vontade, o homem labuta».

55. Contou também o seguinte: «Certa vez os anciãos estavam sentados a comer, e o Abade Alônio se achava de pé, servindo. Vendo-o assim, louvaram-no; ele, porém, não respondeu palavra. Então perguntou-lhe alguém à parte: «Por que não respondeste aos anciãos que te louvavam?» O Abade Alônio explicou: «Se respondesse, pareceria aceitar os louvores».

56. Disse mais: «Os homens são perfeitos ao falar, mas ínfimos ao agir».

57. Disse o Abade Poimém: «Como a fumaça afugenta as abelhas e então se esvanece a doçura do trabalho delas, assim também o repouso do corpo afugenta da alma o temor de Deus e extingue todas as suas boas obras.

58. Um irmão foi ter com o Abade Poimém na segunda semana da Quaresma; abriu-lhe os seus pensamentos e ficou tranquilizado; depois disto, disse: «Por pouco deixava de vir aqui hoje». O ancião perguntou: «Por quê?» Respondeu o irmão: «Dizia-me que talvez por causa da Quaresma não abririas». O Abade Poimém replicou: «Nós não aprendemos a fechar a porta de madeira, mas, sim, a porta da língua».

59. Disse de novo o Abade Poimém: «É preciso fugir do que diz respeito ao corpo (Isto é, excessivo cuidado do corpo). Pois, todas as vezes que o homem está próximo a uma tentação do corpo, assemelha-se a alguém que está em pé sobre um lago muito profundo; no momento em que apraz ao inimigo, este facilmente o derruba dentro d´água. Se, porém, o homem vive à distância do que é corporal, parece-se com alguém que está longe do lago, de modo que, embora o inimigo o puxe para precipitá-lo n’água, enquanto o puxa e lhe faz violência, Deus lhe envia auxilio».

60. Disse mais: «A pobreza, a tribulação, a morada em lugar estreito e o jejum, tais são os instrumentos da vida solitária. Com efeito, está escrito: ‘Se estiverem estes três homens — Noé, Jó e Daniel —, vivo eu, diz o Senhor’ (Ez 14,14.20). Noé é a figura da pobreza, Jó a do sofrimento, e Daniel a do discernimento. Portanto, se se acham estas três virtudes no homem, o Senhor habita nele».

61. O Abade José contava o seguinte: «Estando nós sentados com o Abade Poimém, este nomeou o Abade Agatão. Dissemos-lhe, então: «É jovem; porque o chamas Abade?» Respondeu o Poimém: «Porque a boca dele fez que seja chamado Abade» (As suas palavras exprimiam profunda sabedoria).

62. Certa vez um irmão foi ter com o Abade Poimém e disse-lhe: «Que hei de fazer, Pai, pois sou perseguido pela fornicação? Eis que fui procurar o Abade Ibistião, o qual me disse: ‘Não deves permitir que ela persista em te atacar’. Respondeu o Abade Poimém: «O Abade Ibistião, os seus atos estão no alto com os anjos, e fica-lhe oculto que eu e tu estamos em meio à fornicação. Se o monge domina o ventre e a língua e vive na qualidade de estrangeiro (Sentindo-se peregrino, tendendo sempre à pátria celeste), tem confiança, ele não morrerá».

63. Disse o Abade Poimém: «Ensina a tua boca a proferir o que se acha em teu coração».

64. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Se eu vir uma falta de meu irmão, será bom que eu a encubra?» O ancião respondeu: «No momento em que encobrimos a falta de nosso irmão, Deus encobre a nossa, e, no momento em que a manifestamos, também Deus manifesta a nossa».

65. O Abade Poimém contou o seguinte: «Em dada ocasião alguém perguntou ao Abade Paísio: ‘Que farei à minha alma, pois é insensível e não teme a Deus?’ Este respondeu: ‘Vai-te, e adere a um homem que teme a Deus, e, à medida que o fores frequentando, ensinar-te-á também a temer a Deus’».

66. Disse mais: «Se o monge vencer duas coisas, poder-se-á libertar do mundo». O irmão perguntou: «Quais são elas?» Respondeu: «O repouso da carne e a vangloria».

67. Abraão, o discípulo do Abade Agatão, perguntou ao Abade Poimém: «Como é possível que os demônios me impugnem?» Disse o Abade Poimém: «Impugnam-te os demônios? Eles não impugnam, enquanto seguimos os nossos próprios desejos. Com efeito, os nossos desejos se tornaram demônios, e são eles que nos atormentam, para que os realizemos. Se queres saber com que é que os demônios lutaram, recorda-te de Moisés e dos que foram semelhantes a ele» (Sofrer tentação e impugnações dos demônios é, pois sinal de que eles não nos dominam, de que não fazemos as suas vontades).

68. Disse o Abade Poimém: «Foi este o gênero de vida que Deus ensinou a Israel: abster-se daquilo que é contrário à natureza, ou seja, da ira, da concupiscência, da inveja, do ódio, da maledicência contra o próximo, e do mais que pertence ao velho homem».

69. Um irmão pediu ao Abade Poimém: «Dize-me uma palavra». Respondeu este: «Os Padres estabeleceram como princípio da obra a dor devida ao pecado» (o que quer dizer: a alma motriz de todas as nossas peões deve ser a compunção ou contrição pelo pecado). O irmão pediu de novo: «Dize-me outra palavra». O ancião respondeu: «Quanto podes, faze trabalho manual, para que com os seus frutos pratiques a misericórdia; pois está escrito que a esmola e a fé purificam dos pecados» (Cf. Pr 15,27). O irmão perguntou ainda: «Que é a fé?» O ancião explicou: «A fé é viver em humildade, e praticar a misericórdia».

70. Um irmão referiu ao Abade Poimém: «Se vejo um irmão do qual ouvi contar uma falta, não o quero introduzir em minha cela. Se, porém, veio um bom irmão, alegro-me com ele». O ancião respondeu: «Se fazes ao bom irmão um pouco de bem, faze o duplo àquele outro, pois é aquele o enfermo. Havia num cenóbio um anacoreta chamado Timóteo. Ora o Superior, tendo ouvido um rumor a respeito de certo irmão tentado, interrogou Timóteo sobre tal irmão; o anacoreta lhe aconselhou que o expulsasse. Depois que fora expulso, a tentação do irmão recaiu sobre Timóteo (Timóteo começou a sofrer da mesma tentação), de modo que este correu perigo. Timóteo, então, pôs-se a chorar diante de Deus, dizendo: «Pequei, perdoa-me». E desceu a ele uma voz que dizia: «Timóteo, não julgues que te fiz isto por outro motivo senão porque desprezaste teu irmão no tempo da tentação».

71. Disse o Abade Poimém: «Estamos sujeitos a tão graves tentações porque não guardamos os nossos nomes e a nossa ordem, como também diz a Escritura. Não vemos a mulher Cananéia, como o Salvador a consolou por ter ela reconhecido o seu nome? (Cf. Mt 15 27. isto é, sua qualidade de indigna) Também Abigail disse a Davi: ‘Em mim há o pecado’ (Cf. 1Rs 25,24); por isto Davi a atendeu e a amou. Abigail é figura da alma, e Davi, de Deus. Portanto, se a alma se acusa diante do Senhor, ama-a o Senhor».

72. Certa vez o Abade Poimém passava com o Abade Anube pela região de Diolco. Quando se aproximavam dos sepulcros, viram uma mulher mergulhada em profundo luto, que chorava amargamente. Depois de a terem observado, caminharam ainda um pouco e encontraram alguém a quem o Abade Poimém perguntou: «Que tem essa mulher para chorar amargamente?» Respondeu aquele: «É que lhe morreram o marido, o filho e o irmão». Então, o Abade Poimém dirigiu-se ao Abade Anube: «Digo-te que, se o homem não mortifica todos os desejos da carne e adquire tal luto, não se pode tornar monge. Pois toda a vida e a mente desta mulher estão mergulhados no luto».

73. Disse o Abade Poimém: «Não queiras medir a ti mesmo (Isto é, não queiras medir o progresso de tua vivtude), mas adere ao homem que vive dignamente».

74. Disse também que, se algum irmão ia procurar o Abade João Curto, este lhe prestava a caridade de que diz o Apóstolo: «A caridade é magnânima, é benigna» (1 Cor 13,4).

75. Referiu ainda, a respeito do Abade Pambo, que o Abade Antão, aludindo a este, disse: «Pelo temor de Deus fez que o Espírito de Deus habitasse nele».

76. A respeito do Abade Poimém e de seus irmãos, um dos Padres contou que, habitando eles no Egito, a sua mãe os queria ver, mas não o podia. Certa vez espreitou-os quando iam à igreja, e foi-lhes ao encontro. Eles, porém, logo que a viram, regressaram para a cela, e fecharam a porta à vista dela. A mulher ficou diante da porta, gritando, chorando com muito lamento e dizendo: «Possa eu vos ver, caros filhos meus!» Tendo-a ouvido, o Abade Anube dirigiu-se ao Abade Poimém: «Que faremos a essa velha que está chorando diante da porta?» Então Poimém, de dentro da cela, ouviu-a chorando com grande lamento, e perguntou-lhe: «Por que assim choras, ó mulher velha?» Esta, ao ouvir-lhe a voz, clamava muito mais e chorava, dizendo: «Quero-vos ver, filhos meus! Pois que há de mau em que eu vos veja? Acaso não sou vossa mãe? Não fui eu que vos amamentei? Tenho os cabelos todos brancos. Ao ouvir a tua voz, fiquei comovida». Perguntou-lhe, então, o ancião: «Desejas ver-nos aqui ou no outro mundo?» Ela respondeu: «Se não vos vir aqui, ver-vos-ei no outro mundo?» Poimém replicou: «Se te fizeres violências para não nos ver aqui, hás de nos ver lá». Depois disto, ela se foi alegre e dizendo: «Se, de fato, hei de vos ver lá, não vos desejo ver aqui».

77. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que significam «as coisas elevadas?» O ancião respondeu: «A justiça» (A justiça, na Sagrada Escritura, é a santidade).

78. Certa vez alguns hereges foram ter com o Abade Poimém e puseram-se a falar contra o Arcebispo de Alexandria, como se tivesse recebido a ordenação da parte de presbítero (Isto é: acusavam-no de ter sido invalidamente ordenado). A isso o ancião não respondeu, mas chamou seu irmão e disse-lhe: «Põe a mesa, faze-os comer, e despede-os em paz».

79. O Abade Poimém referiu que um irmão que morava com irmãos, perguntou ao Abade Bessarião: «Que farei?» O ancião respondeu-lhe: «Cala-te, e não meças a ti mesmo» (O que quer dizer: não te compares aos outros, não procures saber a que grau de virtude já chegaste).

80. Disse de novo: «Não atendas em teu coração ao homem do qual não estás seguro».

81. Disse mais: «Se desprezares a ti mesmo, terás tranqüilidade, qualquer que seja o lugar que habites».

82. Referiu também ter dito o Abade Sisoé: «Há um pudor réu do pecado de temeridade».

83. Disse também que a vontade própria, o repouso (Isto é, a moleza do corpo) e a familiaridade com uma e outro derrubam o homem.

84. Disse ainda: «Se fores taciturno, terás tranqüilidade em todo lugar que habitares».

85. A respeito do Abade Pior referiu que todos os dias punha um inicio (Mantinha sempre o fervor de quem começa).

86. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Se o homem for colhido por algum pecado e se converter, terá perdão junto de Deus?» O ancião respondeu: «Então Deus que mandou aos homens que perdoem, Ele mesmo não perdoará mais do que os homens? De fato, Ele preceituou a Pedro: ‘Até setenta vezes sete’» (Cf. Mt 18,22).

87. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «É bom rezar?» Respondeu-lhe este ter dito o Abade Antão: «É da face do Senhor que procede tal voz: ‘Exortai o meu povo, diz o Senhor, exortai-o’» (Is 40,1).

88. Um irmão interrogou o Abade Poimém: «Pode o homem deter todos os seus pensamentos e não entregar nenhum ao inimigo?» (Isto é: Pode o homem controlar todos os seus pensamentos, de modo que nunca peque por eles? — Veja-se o apoftegma seguinte.). O ancião respondeu: «Há quem tire dez e entregue um».

89. O mesmo irmão propôs igual pergunta ao Abade Sisoé; o qual lhe respondeu: «Sem dúvida, há quem nada entregue ao inimigo».

90. Na montanha de Atlibes vivia um grande eremita que os ladrões assaltaram. Ora os vizinhos, tendo ouvido os seus gritos, prenderam os salteadores e os mandaram ao Governador o qual os colocou no cárcere. Então os irmãos ficaram tristes, dizendo: «Por causa de nós é que eles foram entregues à prisão». Levantaram-se, pois, e foram ter com o Abade Poimém, ao qual referiam o caso. Poimém escreveu ao ancião que fora assaltado, nestes termos: «Considera a primeira entrega, como ela se deu, e, a seguir, considerarás a segunda. Pois, se não te tivesses entregue primeiramente em teu interior, não terias cometido a segunda entrega» (Poimém queria dizer que, se o ancião não se tivesse entregue interiormente, se não tivesse apego aos bens que lhe haviam sido furtados, não teria tolerado a entrega dos ladrões à prisão, mas teria procurado desculpá-los e libertá-los.). Ora o ancião era famoso em toda a região e não saía da cela; ouvindo, porém, o conteúdo da carta do Abade Poimém, levantou-se e foi à cidade; ai tirou os ladrões do cárcere e os libertou publicamente.

91. Disse o Abade Poimém: «O monge não se queixa de sua sorte; o monge não retribui o mal pelo mal; o monge não é dado à ira».

92. Alguns dos anciãos foram ter com o Abade Poimém e disseram-lhe: «Se virmos que os irmãos adormecem durante o Ofício, queres que os cotovelemos a fim de que estejam despertos para a vigília? «Aquele respondeu: «Quando vejo meu irmão adormecer, coloco, sem hesitar, a sua cabeça sobre os meus joelhos e proporciono-lhe repouso».

93. A respeito de certo irmão contavam que era tentado à blasfêmia, mas se envergonhava de o dizer. Aonde ouvia que se achavam anciãos de grande mérito, acorria a fim de lhes referir a tentação; logo porém, que se chegava a eles, envergonhava-se de confessar. Assim é que muitas vezes foi ter também com o Abade Poimém. O ancião, ao notar que tinha maus pensamentos e não os manifestava, entristecia-se. Certo dia, porém, ao despedir-se dele, disse-lhe: «Eis há tanto tempo que aqui vens a fim de me manifestares teus maus pensamentos, mas, cada vez que te chegas, não ousas confessar, e sais aflito, conservando-os na mente. Dize-me, filho, o que é que tens». O irmão respondeu: «O demônio me tenta a blasfemar a Deus, e até agora envergonhei-me de o dizer». Ao contar isto, o irmão logo experimentou alívio. O ancião acrescentou: «Não te aflijas, filho; mas quando te vier tal tentação, dize: ‘Não tenho culpa; a tua blasfêmia seja imputada a ti, Satanás. Pois minha alma não quer isso’. Ora tudo que a alma não quer, é de pouca duração». Tendo assim recebido remédio, o irmão se foi.

94. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Esforço-me por encontrar um amparo em qualquer lugar para onde eu vá». O ancião respondeu-lhe: «Mesmo aqueles que trazem a espada nas mãos, têm Deus misericordioso para com eles no tempo presente. Portanto, se somos corajosos, Deus exerce a sua misericórdia conosco» (O irmão receoso das tentações procurava, aflito, refugiar-se contra elas e evitá-las. O ancião tranquiliza-o: o nosso auxílio nos vem infalivelmente de Deus, desde que o servimos corajosamente.).

95. Disse o Abade Poimém: «Se o homem acusa a si mesmo, persevera em toda a parte» (Porque não cai em litígios com os outros).

96. Referiu também ter dito o Abade Amonas: «Há quem tenha passado cem anos na cela sem ter aprendido como se deve residir na cela» (Sem tirar algum fruto de sua vida retirada).

97. Disse o Abade Poimém: «Se o homem consegue o que diz o Apóstolo: “Tudo é puro para os puros’ (Tt 1,15), ele se julga inferior a toda criatura». O irmão perguntou-lhe então: «Como me posso julgar inferior ao homicida?» Respondeu o ancião: «O homem que alcançou o que diz o Apóstolo, vendo alguém matar, diz: ‘Talhomem cometeu esse pecado só; eu, porém mato todos os dias’».

98. O irmão interrogou o Abade Anube a respeito da mesma frase do Apóstolo, referindo o que o Abade Poimém dissera. O Abade Anube respondeu: «Quando o homem que conseguiu o que diz o Apóstolo, vê as faltas de seu irmão, ele faz que a sua justiça devore tais faltas». Perguntou, então, o irmão: «E qual é a sua justiça?» Respondeu o ancião: «É que ele se acuse em todo tempo».

99. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Se caio num miserável pecado, o meu pensamento me devora e me acusa: ‘Por que caíste?’ Observou o ancião: «Na hora em que o homem, tendo caído em culpa, diz: ‘Pequei’, a culpa cessa incontinenti».

100. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Por que é que os demônios persuadem à minha alma que me coloque com quem está acima de mim, por isso que o Apóstolo disse: ‘Numa casa grande há não somente vasos de ouro e de prata, mas também de madeira e de argila. Se, pois, alguém se purificar de todas essas coisas, será um vaso de honra, útil ao Senhor, preparado para toda obra boa’» (2 Tm 2,20s. Poimém queria dizer que não é de admirar haja cristãos tentados e mesmo frouxos na Igreja (o próprio Apóstolo o atesta), mas é preciso se purifiquem de todas as impurezas e passem à categoria dos bons.).

101. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Porque é que não consigo falar livremente com os anciãos a respeito de meus pensamentos? «Respondeu Poimém ter dito o Abade João Curto: «O inimigo de nada se agrada tanto como daqueles que não manifestam os seus pensamentos».

102. Um irmão referiu ao Abade Poimem: «Meu coração desfalece logo que sou acometido de um pequeno sofrimento». Respondeu o ancião: «Não admiramos José, jovem de dezessete anos, como sustentou a tentação até o fim?» Deus, em consequência, o glorificou. Não vemos também Jó, como não desfaleceu, guardando a paciência até o fim? E as tentações não conseguiram abalar-lhe a esperança em Deus».

103. Disse o Abade Poimém: «O cenobita deve ter três faculdades de agir: uma é a faculdade de praticar a humildade; outra, a de obedecer; a terceira, a de se movimentar como que debaixo de um aguilhão, em vista do trabalho do cenóbio».

104. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Num momento de aflição pedi emprestado um objeto a um dos santos, e ele mo deu como esmola. Se, pois, Deus também a mim dispensar seus bens (Isto é, se eu puder um dia dispensar esse objeto.), darei tal objeto a outros como esmola ou antes àquele que mo deu?» Respondeu o ancião: «Diante de Deus o justo é que restituas a este; pois deste era o objeto». Replicou o irmão: «Se, porém, eu lhe levar e ele não o quiser aceitar, mas disser: ‘Vai, e dá-o em esmola a quem quiseres’, que hei de fazer?» Respondeu o ancião: «Em verdade, o objeto é dele. Se, porém, alguém te dá algo espontaneamente, sem que o peças, tal objeto é teu. Se, ao contrário, pedes, seja de um monge, seja de um secular, e depois o proprietário não quer receber o objeto de volta, o justo é que, com o conhecimento do proprietário, dês o objeto como esmola em favor do mesmo proprietário» (Isto é, com a intenção de que Deus faça redundar essa esmola em merecimento do antigo proprietário.).

105. Do Abade Poimém diziam que ele nunca queria proferir a sua sentença depois da de um outro ancião, mas louvava plenamente esta outra.

106. Disse o Abade Poimém:«Muitos dos nossos Pais se tornaram insignes na austeridade, mas um ou outro apenas se tornou insigne pela discrição».

107. Certa vez, estando o Abade Isaque sentado com o Abade Poimém, ouviu-se o canto do galo. Aquele então perguntou: «Aqui há dessas coisas, ó Abade?» Este respondeu: «Isaque, por que me obrigas a falar? Tu e os teus semelhantes ouvis tais coisas; o homem vigilante, porém, não se importa com elas».

108. Diziam que, se alguns visitantes iam ter com o Abade Poimém, este os mandava procurar primeiramente o Abade Anube, por ser Anube mais velho. O Abade Anube, porém, dizia-lhes: «Dirigi-vos ao meu irmão Poimém, pois ele tem o carisma da palavra». Caso o Abade Anube estivesse sentado perto do Abade Poimém, este em absoluto não falava enquanto estivesse presente o irmão».

109. Havia um secular, muito piedoso em sua conduta de vida, o qual foi ter com o Abade Poimém. Achavam-se junto com o ancião ainda outros irmãos, que lhe pediam uma palavra. Ora Poimém dirigiu-se ao piedoso secular «Dize uma palavra aos irmãos». Este, porém, rogou: «Desculpa-me, Abade, eu vim aprender». Todavia, constrangido pelo ancião, disse: «Sou um homem secular que vende legumes e negocia; desato os feixes, e confecciono outros menores; compro por pouco e vendo por muito. De resto, não sei falar conforme a Escritura; em todo caso, proponho uma parábola: Um homem disse a seu amigo: ‘Pois que desejo ver o Imperador, vem tu comigo’. Respondeu-lhe o amigo: ‘Acompanhar-te-ei até meio-caminho’. Disse então a outro amigo: ‘Vem tu, conduze-me até o Imperador’. Este respondeu: ‘Levar-te-ei até o palácio do Imperador’. Disse ainda
a um terceiro: ‘Vem comigo até o Imperador’. Este anuiu: ‘Irei, levar-te-ei até o palácio; lá me apresentarei, hei de falar e, por fim, introduzir-te-ei até o Imperador’. Perguntaram-lhe então qual era o significado da parábola. O secular explicou: «O primeiro amigo é a ascese, que leva até a estrada; o segundo é a pureza, que leva até o céu; o terceiro é a esmola, que introduz até o Rei Deus, com confiança». Assim edificados, partiram os irmãos.

110. Um irmão que residia fora de sua aldeia e havia muitos anos não voltava a ela, disse aos irmãos: «Eis há quantos anos aqui estou sem voltar à aldeia; vós, porém, voltais sempre que vos apraz». Ora contaram o caso ao Abade Poimém, o qual lhe disse: «Eu me chegaria de noite e circularia em redor da aldeia, para que em meu espírito não me vangloriasse de não ir lá».

111. Um irmão pediu ao Abade Poimém: «Dize-me uma palavra». Este respondeu: «Enquanto a panela é aquecida por fogo de baixo, nem uma mosca ou algum dos outros insetos voadores a pode tocar; logo, porém, que esteja fria, estes se pousam sobre ela. Assim também o monge; enquanto se entrega aos atos da vida espiritual, o inimigo não encontra como abatê-lo».

112. O Abade José referia o seguinte dito do Abade Poimém: «A palavra do Evangelho: ‘Quem tem uma túnica, venda-a, e compre uma espada’ (Lc 22,36) significa que quem goza de bem-estar, o deve abandonar e assumir a via estreita».

113. Alguns dos Padres perguntaram ao Abade Poimém: «Se virmos um irmão pecando, queres que o repreendamos?» Respondeu-lhes o ancião: «Em verdade, se eu tiver necessidade de andar por aqueles lugares e o vir pecando, passarei adiante e não o repreenderei».

114. Disse o Abade Poimém: «Está escrito: ‘Das coisas que tiver visto o teu olho, dá testemunho’ (Pr 25,8). Eu, porém, vos digo: ainda que apalpeis com as vossas mãos, não deis testemunho. Com efeito, um irmão padeceu ilusão desta forma: julgou ver o seu irmão pecando com uma mulher; ora, depois de sofrer grave tentação por isto, aproximou-se e deu um pontapé naquilo que julgava ser os dois delinqüentes; dizia: ‘Deixai disso agora; até quando estareis assim?’ Eis então notou que eram molhos de espigas de trigo. Por isso vos digo: ainda que toqueis com as mãos, não censureis».

115. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que hei de fazer, pois sou tentado à fornicação e à ira?» Respondeu o ancião: «Por isso é que disse Davi: ‘O leão, eu o golpeava; o urso, eu o sufocava’ (1Rs 17,35). O que quer dizer: a ira, eu a amputava; a fornicação, eu a oprimia em labutas».

116. Disse mais: «Não se pode encontrar maior caridade do que a que entrega a vida pelo próximo. Se alguém ouve uma palavra má, isto é, dura, e, podendo responder outra semelhante, luta para não responder, ou se alguém é defraudado e o suporta sem se vingar, tal indivíduo está dando a vida paio próximo».

117. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que é um hipócrita?» O ancião respondeu: «Hipócrita é aquele que ensina ao próximo algo que ele mesmo não chega a praticar. Com efeito, está escrito: ‘Por que consideras o cisco no olho de teu irmão, quando há uma trave em teu olho?’ e o que se segue (Mt 7,3s).

118. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que significa irar-se sem motivo contra o irmão?» O ancião respondeu: «Se teu irmão cometer uma fraude, qualquer que seja, contra ti, e te ampute a mão direita, se te irares contra ele, irar-te-ás temerariamente. Se, porém, te quiser separar de Deus, então deves irar-te».

119. Um irmão perguntou ao Abade Poimém« «Que hei de fazer contra os meus pecados?»
Respondeu o ancião: «Aquele que quer resgatar os seus pecados, resgata-os com o pranto; e aquele que quer adquirir virtudes, adquire-as com o pranto. Com efeito, prantear é a via que nos ensinaram a Escritura e os nossos Pais, dizendo: ‘Chorai’ (1). Outra via não há senão esta».

120. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que é compunção do pecado?» Respondeu o ancião: «É para o futuro não mais cometer o pecado. Com efeito, os justos foram chamados imaculados porque abandonaram os pecados e se tornaram justos».

121. Disse também que a maldade dos homens está oculta por detrás deles.

122. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que hei de fazer contra as perturbações que me acometem?» Respondeu o ancião: «Choremos diante da bondade de Deus em todo trabalho nosso, até que use conosco da sua misericórdia».

123. De novo perguntou-lhe o irmão: «Que hei de fazer contra os inúteis desejos que tenho?» Respondeu Poimém: «Há homens que já sofrem a respiração ofegante da morte, mas ainda atendem aos desejos deste mundo. Não te aproximes, e não toques esses desejos; eles se esvanecerão por si».

124. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Pode o homem ser um morto?» Respondeu este: «Se o homem chega ao pecado, morre; se, porém, chega ao bem, viverá e o praticará».

125. O Abade Poimém referiu o seguinte dito do bem-aventurado Abade Antão: «A grande força do homem está em que assuma sobre si mesmo o seu pecado diante do Senhor, e espere tentação até o último respiro».

126. Perguntaram ao Abade Poimém a quem é que se aplica a palavra da Escritura: «Não vos (Entendem-se aqui as lágrimas de compunção.) preocupeis com o dia de amanhã» (Mt 6,34). O ancião respondeu: «Foi dita para o homem que, acometido de uma tentação, perde a coragem, a fim de que não pergunte preocupado: ‘Quanto tempo deverei sofrer esta tentação?’ Antes reflita um pouco, e de dia para dia diga: ‘Hoje’».

127. Disse também: «Ensinar ao próximo é obra do homem sadio e destituído de paixões; pois que vantagem há em construir a casa de outrem ao mesmo tempo que se derruba a própria casa?»

128. Disse mais: «Que proveito há em que alguém saia para aprender uma arte e não a aprenda?»

129. Disse de novo: «Tudo que excede a justa medida, provém dos demônios».

130. Disse também: «Quando alguém intenciona construir uma casa reúne muitas coisas de diferentes espécies e necessárias para que a casa possa subsistir. Assim também nós assumamos um pouco de cada virtude».

131. Alguns dos Padres perguntaram ao Abade Poimém: «Como é que o Abade Nistero o suportou a tal ponto o seu discípulo?» Respondeu-lhes o Abade Poimém: «Se fora eu, teria posto até o travesseiro debaixo da cabeça dele». O Abade Anube perguntou então: «E que dirias a Deus?» Continuou o Abade Poimém: «Diria: ‘Tu mandaste: Tira primeiramente a trave do teu olho; depois tratarás de tirar o cisco do olho de teu irmão’» (Mt 7,5).

132. Disse o Abade Poimém: «A fome e a sonolência não nos deixam ver essas coisas simples».

133. Disse de novo: «Muitos se tornaram poderosos; poucos, porém, se tornaram incentivadores».

134. Disse também, com gemidos: «Todas as virtudes entraram nesta casa, exceto uma, sem a qual dificilmente permanece o homem de pé». Perguntaram-lhe então qual é esta; ao que respondeu: «Que o homem censure a si mesmo».

135. Disse muitas vezes o Abade Poimém: «De nada precisamos a não ser de uma mente vigilante».

136. Um dos Padres perguntou ao Abade Poimém: «Quem é que assim fala: ‘Sou participante de todos os que te temem?’ (SI 118,63) O ancião respondeu: «É o Espírito Santo que assim fala».

137. O Abade Poimém referiu que um irmão se dirigiu ao Abade Simão nestes termos: «Se saio da cela e encontro meu irmão divagando, também eu divago com ele, e, se o encontro rindo, também rio com ele; a seguir, quando volto à cela, não posso encontrar paz». Disse-lhe o ancião: «Queres também tu rir quando, ao saíres da cela, encontrares a quem está rindo, também tu falar quando encontrares a quem está falando, e, a seguir, ao entrares em tua cela, encontrar a ti mesmo como estavas?» Perguntou o irmão: «Como é isto possível?» O ancião respondeu: «Por dentro, mantém guarda; por fora, mantém guarda».

138. O Abade Daniel contava o seguinte: «Certa vez fomos ter com o Abade Poimém e comemos juntos; depois do que, disse-nos; «Ide-vos, descansai um pouco, irmãos». Foram, pois, descansar um pouco; eu, porém, fiquei para conversar a sós com o Abade Poimém. Por conseguinte, levantei-me e fui a cela dele. Ora, quando me viu chegar, colocou-se na posição de quem está dormindo. Com efeito, era costume do ancião fazer tudo de modo despercebido.

139. Disse o Abade Poimém: «Se vires espetáculos e ouvires discursos, não os contes a teu próximo, pois são uma subversão bélica».

140. Disse de novo: «Em primeiro lugar, foge uma vez; em segundo lugar, foge; em terceiro lugar, torna-te uma espada».

141. Disse de novo o Abade Poimém ao Abade Isaque: «Torna leve uma parte da tua justiça, e encontrarás paz nos poucos dias de tua vida».

142. Um irmão foi visitar o Abade Poimém, e, estando alguns sentados juntos, pôs-se a louvar outro irmão, porque este odiava o mal. Então o Abade Poimém perguntou-lhe: «E que é odiar o mal?» O irmão ficou perturbado e não encontrou resposta; levantou-se, pois, e prostrou-se diante do ancião, pedindo: «Dize-me o que é odiar o mal». Respondeu Poimém: «Odiar o mal consiste em que alguém odeie os próprios pecados e considere justo o seu próximo».

143. Um irmão foi ter com o Abade Poimém e perguntou-lhe: «Que devo fazer?» Este respondeu: «Vai e associa-te a quem diz: ‘Que é que eu quero?’ E encontrarás sossego».

144. O Abade José referiu a seguinte narrativa do Abade Isaque: «Certa vez estava sentado com o Abade Poimém e vi-o entrar em êxtase; já que eu tinha grande familiaridade com ele, prostrei-me depois diante dele e perguntei-lhe: ‘Dize-me onde estavas’. Constrangido, respondeu: ‘Minha mente estava no lugar em que Santa Maria, a Mãe de Deus, esteve, e chorava junto à cruz do Salvador; eu quisera chorar sempre desse modo’».

145. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que farei contra esta carga que me comprime?» Respondeu: «As naves, pequenas e grandes, levam cinturões; no caso de faltar vento favorável, os marinheiros colocam esses cinturões sobre o peito, munem-se de cordas, e assim aos poucos vão
puxando a nave, até que Deus mande o vento; quando, porém, observam que aproximam as trevas, apressam-se em voltar à nave e lançam a âncora, para que a embarcação não fique errante».

146. Um irmão interrogou o Abade Poimém a respeito dos assaltos dos maus pensamentos. Respondeu-lhe o ancião: «Isso se assemelha a um homem que tem fogo à esquerda e um reservatório de água à direita; uma vez aceso o fogo, tome água do reservatório e apague-o. O fogo é a semente do inimigo, enquanto a água significa prostrar-se em presença de Deus».

147. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Que é melhor: falar ou calar-se?» Respondeu o ancião: «Aquele que fala por causa de Deus, faz bem; e aquele que se cala por causa de Deus, faz bem».

148. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Como pode o homem evitar dizer palavras duras ao próximo?» Respondeu o ancião: «Nós e os nossos irmãos somos duas imagens: todas as vezes que o homem considera a si mesmo e se acusa, o irmão lhe parece digno de honra: quando, porém, o homem se julga bom, acha o irmão mau em comparação a ele».

149. Um irmão interrogou o Abade Poimém a respeito da acedia (A acedia é o desânimo na vida espiritual.). Respondeu-lhe o ancião: «A acedia se encontra em todo início, e não há paixão pior do que ela. Se, porém, o homem a descobre e reconhece que é ela, encontra paz».

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