2. NOTAS DE MADEMOISELLE MARIE CRONIER
Colóquios de Jesus a respeito da Obra
Santa Catarina, 25 de novembro de 1883.
“Durante a ação de graças, Jesus me falou acerca de pensamentos próprios ao Prefácio das Constituições das Beneditinas do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, das filhas do Pe. Muard e, sobretudo, tendo como título no seu Coração “suas esposas bem-amadas”, pois começando essa espécie de ditado para a introdução de nossas Constituições, Ele disse: “Jesus às suas esposas bem-amadas.”
“Lembrando-me de seus diferentes apelos à Obra, Ele os mostrou a mim numa só luz, depois, de novo, Ele me repetiu as memoráveis palavras do dia 29 de janeiro: “Sai do teu país e da casa do teu pai e vem para a terra que te mostrarei, edifica-me uma morada espiritual, dá-me almas que se multiplicarão e se tornarão uma raça escolhida, um povo de eleitos.”[4]
“O que Ele quer, acrescentou, é um jardim fechado, isto é, uma comunidade de almas interiores, de almas generosas que renovem e lembrem o fervor das primeiras virgens da Igreja. Queixou-se dolorosamente, tristemente de não ser amado e, do mesmo modo que nos primeiros tempos, no meio da corrupção geral, chamou Noé, mandando-lhe construir a arca para abrigar-se nela com a sua família, assim, neste século de iniqüidade, Ele, o Deus forte e poderoso, sente a necessidade de ordenar uma arca espiritual que será sua própria morada, onde Ele virá se consolar, onde na terra as almas esforçar-se-ão por amá-Lo, servi-Lo, à maneira dos Anjos, onde, apesar das iniqüidades crescentes, haverá almas que viverão d’Ele e O servirão com toda a fidelidade que Ele delas espera, onde será o Bem-Amado, o Mestre absoluto. Esse será seu lugar escolhido, se as almas chamadas tiverem a felicidade de entender isso e de responder a esse chamado. “Não é uma novidade, disse-me Ele, não é uma nova congregação, não são novas práticas, uma nova devoção, é um rebento das mais belas e antigas devoções da Santa Igreja, da vida religiosa em comum, da prática da vida interior, do despojamento de si mesmo para fazer viver e resplandecer Jesus Cristo, seu modelo, seu esposo, seu tesouro: é um novo elã, uma nova floração na antiga Regra de São Bento. Nenhuma inovação: a Regra, somente a Regra. Mas estudada, amada, traduzida em ações, a fim de atingir o cume da perfeição.”
“Jesus quer almas interiores. A Obra terá por finalidade única formar almas interiores, viver em união íntima com Jesus. Ele promete derramar bênçãos escolhidas, mas Ele quer almas generosas que se apliquem à contemplação, que não regateiem, que sejam grandes e nobres na virtude, que delineiem as virtudes religiosas dos primeiros discípulos de São Bento e cuja única sede seja a santidade. “Deixando às almas uma grande liberdade e confiança, eu lhes dou por código a Regra por excelência, por meio a Oração, a vida recolhida que as ensinará a se despojarem alegremente, a serem humildes, mortificadas, a subirem de grau em grau até a união completa com Deus. Na oração, elas acharão tudo: pobreza, castidade, obediência, fidelidade, amor, sacrifícios amados. Minha via é simples. O que quero são almas. Quero-as minhas íntimas. A minha finalidade é de lhes pedir a vida interior, é de ter um edifício espiritual.”
“1) Jesus quer a aplicação da Santa Regra.”
“2) Que como filhas do Pe. Muard, conformemo-nos a seus pensamentos e adotemos seu plano e sua vida. Homem de oração, de prece… suas filhas devem ser particularmente fiéis à oração. Jesus quer a verdadeira santidade. Ele ma representou generosa, larga, alegre, confiante para com Ele, que é tão bom. Era muito belo. Era mesmo a verdadeira santidade.”
“Já existem comunidades beneditinas, disse-me, mas Ele quer este ramo. Ele quer este pequeno jardim fechado, Ele quer este oásis de seu Coração. Ele me disse que se uma só alma verdadeiramente fiel lhe traz muita glória, quanto mais um canteiro de Virgens fiéis. Ele me disse que ninguém pode nos impedir de nos consagrarmos totalmente a Ele e levarmos uma vida celeste.”
“Ele me disse que está ansioso para ver seu desejo realizado, que está acumulando tesouros para no-los prodigalizar, que o Pai e a Mãezinha devem pôr todo o cuidado em bem formar essas almas, a fim de torná-las enérgicas e viris. Ele insiste sobre a necessidade de aumentar o fervor viril, a energia no bem, o espírito de oração e de prece, que uma só comunidade assim regrada teria grande poder junto a Deus, seria a glória de Jesus e, para essas almas bem-aventuradas, a felicidade eterna. Deve-se rezar nesta época de impiedade, e compreenderíamos como importa rezar, consagrar-se a Ele, viver para Ele, ah! se víssemos com o olhar de Jesus.”
“Jesus então abençoa de novo a Obra e chama as bênçãos de seu Pai, as luzes do Espírito Santo, a fim de que ela siga o objetivo divino, que seja preservada do erro, e que se torne o santo templo no qual muitas almas virão buscar a pura santidade.”
“Não traduzo bem tão admiráveis palavras. Sofri o dia inteiro pela impossibilidade em que me encontrava para traduzir a visão da manhã, sobretudo para explicar a perfeição tal como Jesus a pintou. Mas sinto que esse quadro permanecerá e que olhando-o sempre, ele me guiará e esclarecerá sem cessar. O que vejo nele sobretudo, é uma grande pureza de ação, o desapego de si mesmo, para seguir todos os conselhos da vida regular. Se isso não for bastante completo, pedirei a Jesus que me faça escrever suficientemente.”
“A Obra é simples e imensa ao mesmo tempo. A Obra pede somente a santidade, mas ela a quer sem limites, de tal maneira que as almas se esforcem sem cessar para subir. A Obra não as limita, ela lhes diz: Eis o objetivo. É preciso atingi-lo. A Obra, na boca de Jesus, é bela, divina, grande, santa e abençoada.”
Segundo esses dois textos, Nosso Senhor mesmo pediu que a fundação de En-Calcat e Dourgne fossem conformes às idéias do Pe. Muard e, segundo a idéia deste último, ao espírito primitivo da Regra. Ir ao Pe. Muard é ir a São Bento por um caminho direto.
“O Pe. Muard tomou a Regra tal como ela era na origem, diz-nos Dom Romain. Era a volta pura e simples à Regra.”
Mas a Regra de São Bento basta? Satisfaz a todas as questões? – “Há quinze séculos, as mais graves autoridades da Igreja ensinaram que a Regra, inspirada por Deus, basta-se a si própria e que não se deve subtrair nada dela, nem acrescentar nada. Na Regra há tudo o que é necessário para agradar a Deus e servir utilmente à Igreja.”
“Escrita para os séculos, sob a inspiração divina, ela bastará sempre e em toda parte, com a simplicidade do seu texto ao mesmo tempo imutável e largo, universal e particular, grandioso e simples, antigo e muito atual, ascético e prático, levando ao Céu, mas esclarecendo as vias terrenas com um bom senso invencível e especial. São Bento conhece duma maneira admirável a natureza humana. Ele a toma tal como ela é, mas sem as suas fraquezas. Sua Regra convém ao século vinte como ao século quinto da Igreja, a todas as fases da vida espiritual, a todas as condições físicas e mesmo morais. A Obra dos santos não desaparece nunca.”
A Regra tem suas provas, com efeito! – “Contam-se cerca de trinta e cinco papas saindo dessa milícia monástica. Quanto aos bispos , não é possível contá-los. E os mártires, os confessores da fé, os escritores! Quantos rios de ciência saíram da Ordem beneditina! Não se sabe na verdade quantos monges e monjas se puseram a imitar São Bento desde Subiaco e Monte Cassino, em todos os países do mundo. Mas pôde-se estabelecer o número de mosteiros durante a época de maior desenvolvimento da Ordem: chegaram a trinta mil!”
Como disse o Pe. Muard, o autor dessa Regra foi “um dos maiores santos do qual a Igreja se honra, um dos maiores legisladores que existiu”[5] – “São Bento tem o gênio da ordem, da administração. A Igreja, adotando uma palavra de São Gregório Magno, no-lo apresenta como “cheio do espírito de todos os justos”. Segundo essa palavra, os dons de Deus, diversificados em cada um dos santos, encontram-se todos no Patriarca dos monges. Do ponto de vista histórico, é isso que explica como a Ordem Beneditina, no decorrer dos séculos, chegou a servir a Igreja através das mais variadas obras. Na seqüência da missa própria em honra de nosso bem-aventurado Pai, a Igreja o compara aos profetas, aos mais famosos personagens do Antigo Testamento. Ele pode rivalizar também com todos os santos do Novo Testamento, que encontram nele algo de si próprios.”
Todos os fundadores de Ordem, que vieram depois dele, basearam-se nele? – “Todos proclamaram estar sob a proteção de São Bento e de sua Regra. Temos a ventura de possuir a Regra mais fundada na tradição, a mais aprovada pela Igreja. A Regra por excelência.”
Qual foi a missão do Pe. Muard em relação à Regra de São Bento? – “Nosso Pe. Muard foi suscitado por Deus: 1) para mostrar em sua pessoa a pobreza, a humildade, a penitência, a oração e o amor a Jesus crucificado dos monges dos primeiros séculos; 2) para dar à Igreja uma família de monges beneditinos fortemente marcados pelas mesmas características e animados de um grande zelo pelo serviço da Igreja e pela salvação das almas.”
Não se encontra tudo isso nos Cistercienses? – “O Espírito de Deus que conduzia o Pe. Muard também o conduziu à Trapa para lá haurir a melhor e mais autêntica maneira de praticar a Regra. Tenho, pela observância Cisterciense, o gosto e o atrativo do Pe. Muard. Ser-me-ia muito agradável se Deus me quisesse encerrar na Trapa. Que profunda solidão! Que silêncio celeste! Que salmodia grave, solene e tão piedosa!”
E Solesmes? – “Em Solesmes há por toda parte uma notável característica de superioridade intelectual, de antigüidade, de sobrenatural e de toque monástico. Lá não falta a santidade. Ela se parece a São Pedro pela arquitetura. Não há luxo, mas grandeza. É um ponto de afluência e, atualmente, é a capital da ordem beneditina na França. É a glória de Deus, da Igreja e da França. Amo esta família e quero-lhe bem e muito.” – Já que o senhor gosta tanto da Trapa e de Solesmes, por que o senhor fez outra obra? – “Jesus deu-nos o seu programa, o espírito do seu Coração e seu servo o Pe. Muard. É isto o que devemos conservar, amar e querer dar aos que amamos e que tiverem confiança em nós.”
Este programa foi exposto pelo Pe. Muard em suas Constituições: “Sendo a finalidade de nossa sociedade trabalhar para a glória de Deus, para a nossa santificação e a do próximo, pela humildade, pela pobreza, pela penitência e pela pregação, tomamos por princípio que nosso espírito particular seria um espírito de humildade, de pobreza, de expiação e de zelo (mas particularmente de humildade, porque o orgulho é o vício dominante de nosso século que pode-se bem chamar o século do orgulho). Ademais, pusemos nossa sociedade sob o patrocínio do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, porque as virtudes que devem constituir o espírito de nossa sociedade são as virtudes por excelência do Sagrado Coração de Jesus e do Coração de sua Santa Mãe.”[6]
“É necessário que sejamos filhos do Pe. Muard, quanto ao espírito de uma maneira profunda, marcada, absoluta. É também necessário, que o sejamos quanto às observâncias, no que elas têm de possível para os temperamentos contemporâneos.”
“Na época presente, é necessário, creio, conformar-se em estabelecer observâncias de acordo com a fraqueza dos temperamentos e, em compensação, fazer o que o Bem-Amado pede com tão vivas instâncias: orientar inteiramente as almas para a vida interior, para a união com Jesus, para as pequenas virtudes quotidianas. A imolação que Jesus pedia a nosso Pe. Muard será talvez menos aparente, mas será mais íntima e eficaz.” – São Francisco de Sales não falava diferentemente! – “Devemos amar São Francisco de Sales, porque o espírito com que ele esteve animado e que ele imprimiu tão bem à Visitação é precisamente o espírito de nossa Ordem. Seria fácil prová-lo pelo estudo da Regra e pela história de nossos primeiros santos. Dá-se muita atenção às suas austeridades, necessárias em seu tempo, para subjugar a natureza vigorosa que eles possuíam. Não se dá bastante atenção ao espírito interior e de oração dos quais eles estavam cheios.” – Mas o senhor mesmo, em sua juventude, acaso não imitou as austeridades dos antigos? – “Tive o erro de considerar demais as virtudes exteriores, não considerando as virtudes interiores na mesma proporção.”
Em suma, o senhor quer orientar os seus monges para a vida interior – “Deus, no programa do dia 29 de janeiro de 1883, pede-nos uma casa cuja característica fundamental, cujo ponto de partida e cuja força primeira sejam o espírito interior com tudo o que se lhe refere.”
Mas, diminuindo as austeridades, o senhor não introduz o relaxamento? – “Quanto mais, em princípio, queremos as grandes observâncias, tanto mais, na prática, devemos e podemos impor atenuações àqueles nossos filhos que disso têm necessidade. É o próprio espírito da Regra: os princípios intactos, e as atenuações dadas com uma atenção e cuidado maternais.”
Esses princípios, aos quais Dom Romain dava uma grande importância, foram-nos deixados por ele em seu testamento.– “A falta de princípios solidamente estabelecidos é um terrível obstáculo ao desenvolvimento pacífico e sério de uma comunidade.”